Por Beatriz Olivon — De Brasília
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Fazenda Nacional pode habilitar no processo de falência crédito tributário objeto de execução fiscal em curso. O entendimento vale mesmo antes da Lei nº 14.112, de 2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e trouxe um procedimento específico para esses casos.
A decisão é relevante porque amplia a efetividade da cobrança de crédito tributário de empresas falidas. O atual valor dos créditos inscritos em dívida ativa contra empresas falidas é de R$ 115,06 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Além disso, o tema definido ontem foi julgado pela Corte superior por meio de três processos, com efeito repetitivo. Portanto, o entendimento deverá ser seguido pelas instâncias inferiores do Judiciário.
Para a Fazenda é mais seguro estar no quadro geral de credores porque, na prática, as penhoras feitas na execução fiscal contra a massa falida não surtem muito efeito. A penhora de créditos que estão em discussão no processo falimentar deixa um registro no processo de que uma parcela dos valores têm que ir para a Fazenda. Mas só quando é realizada a habilitação o direito fica registrado no quadro de credores e não “esqueceriam” de pagar a Fazenda.
Mas, para a PGFN, é importante manter as duas vias para obter o crédito. Isso porque, sem a execução fiscal, o órgão não consegue perseguir eventuais corresponsáveis, por exemplo.
A execução fiscal é o procedimento da Fazenda para cobrar dívidas, já o juízo falimentar é competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, salvo causas trabalhistas, fiscais e não reguladas pela Lei de Recuperação Judicial e Falências, de acordo com o relator da ação na 1ª Seção, ministro Gurgel de Faria.
Em uma leitura rápida da ementa do voto, o relator afirmou que a execução fiscal e o pedido de habilitação de crédito no juízo falimentar coexistem a fim de preservar o interesse maior, que é a satisfação do crédito.
Por unanimidade, a 1ª Seção aprovou a tese de que: “É possível à Fazenda Pública habilitar em processo de falência crédito objeto de execução fiscal em curso, mesmo antes da vigência da Lei nº 14.112, de 2020, e desde que não haja pedido de constrição de bens no feito executivo”. O relator afirmou que, nos casos concretos analisados, o recurso da Fazenda deve ser aceito porque o pedido de habilitação não havia sido acolhido (Resps 1872759; 1981836 e 1907397).
A decisão pacifica o entendimento sobre o tema nas turmas de direito público do STJ. Já nas de direito privado, onde a tese também é discutida, a 4ª Turma do STJ julgou o assunto pela primeira vez na semana passada.
Com base na Lei 14.112, os ministros da 4ª Turma decidiram que a Fazenda Pública pode fazer parte do processo de insolvência das empresas com dívidas fiscais. Naquele caso, foi fixado que o Fisco não precisa desistir da ação de execução fiscal para incluir os valores aos quais tem direito no processo de falência da devedora. Mas a execução terá que ficar suspensa até o encerramento do processo falimentar, portanto, sem a possibilidade de penhorar bens da empresa.
O artigo 7-A da Lei 11.101, de 2005, alterada pela Lei 14.112, de 2020, estabelece um procedimento específico, chamado “incidente de classificação do crédito público”, a ser instaurado pelo juiz da falência. O inciso V desse artigo diz expressamente que “as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis”.
Para Marcelo Kosminsky, procurador da Fazenda Nacional, apesar da redação da tese firmada pela 1ª Seção não deixar claro se para se habilitar na falência a PGFN precisa desistir da execução fiscal, a vitória da Fazenda foi ampla. “Não é preciso extinguir execução fiscal para habilitar os créditos e será possível habilitá-los, contanto que se abra mão da penhora contra a massa falida na execução. Como a execução fiscal não será extinta, a Fazenda poderá investigar devedores solidários no processo executivo, tudo ao mesmo tempo”, afirmou.
Para João Amadeus dos Santos, especialista em direito tributário do Martorelli Advogados, o entendimento anterior da jurisprudência, no sentido de que o Fisco deveria abdicar de uma via em relação à outra, dava mais previsibilidade e segurança aos contribuintes. Segundo ele, a decisão de ontem permite às procuradorias habilitar o crédito no juízo falimentar, ao mesmo tempo em que manejam execução fiscal a respeito da mesma dívida fiscal.
“Pelo menos foi feita uma ressalva clara de que a concomitância da habilitação do crédito e do ajuizamento do executivo fiscal pressupõe a ausência de atos constritivos. Mas melhor seria se o entendimento anterior prevalecesse”, afirma Santos.
O tema ainda poderá ser julgado pela 3ª Turma do STJ. Se houver divergência em relação à posição da 4ª Turma, também pela 2ª Seção e mesmo pela Corte Especial. (Colaborou Joice Bacelo).
Fonte: Valor Econômico e Associação Paulista de Estudos Tributários, 19/11/2021.